Os magistrados que estão a investigar o caso Freeport enviaram uma nova carta rogatória a pedir informação financeira a Inglaterra, mas evitaram o Eurojust, organismo europeu responsável pela cooperação judiciária entre países membros da União Europeia. O Correio da Manhã sabe que foi encontrada uma via alternativa para fazer chegar o pedido às autoridades britânicas sem passar pelo organismo que está instalado em Haia. Aliás, a recente deslocação dos investigadores do Freeport a Inglaterra para efectuar o cabal cumprimento da primeira carta rogatória abriu canais de comunicação directa entre os dois lados da investigação. Desta forma, contorna-se uma eventual participação de Lopes da Mota, presidente do Eurojust e alvo de um processo disciplinar por suspeitas de ter pressionado os colegas Vítor Magalhães e Paes Faria – que investigam o caso – a arquivá-lo, nas diligências de aceleração processual.
O CM confirmou que inicialmente se pôs a questão de enviar a documentação através do Eurojust, o que voltava a colocar o caso nas mãos de Lopes da Mota. A opção foi de imediato abandonada, devido aos desenvolvimentos do caso das pressões. Por outro lado, subsiste um outro constrangimento: a investigação ao licenciamento do centro comercial Freeport implica o esclarecimento da intervenção do Instituto da Conservação da Natureza (ICN), que era dirigido por Carlos Guerra, irmão do magistrado José Guerra, colocado nos serviços do Eurojust. Desde a entrada do Eurojust na investigação, que aconteceu pela primeira vez em Setembro do ano passado, que José Guerra fez saber que não participaria na aceleração de diligências, dado o potencial conflito de interesses.
Recorde-se que o outro magistrado português que estava no Eurojust e que teve um papel essencial e muito elogiado na aceleração da investigação, Luís Santos Alves, faleceu há dois meses numa reunião de trabalho, vítima de um ataque cardíaco.
A gestão de actos processuais a partir de Haia está portanto prejudicada por um evoluir de circunstâncias que empurrou os investigadores para outros caminhos.
O CM apurou ainda que a investigação está a entrar numa fase importante. A carta agora enviada para Inglaterra pede informação bancária que se encontra no paraíso fiscal da ilha de Man, situada no Canal da Mancha.
'INDÍCIOS FORTES DE INFRACÇÃO'
Depois de o PS se ter escusado a comentar o processo disciplinar a Lopes da Mota, remetendo para o procurador-geral a questão da continuidade em funções do presidente do Eurojust, Vital Moreira veio dizer publicamente que, se estivesse naquele lugar, 'pediria a suspensão de funções'. O cabeça-de-lista do PS às eleições europeias considerou mesmo que 'há indícios fortes de ter havido uma infracção'.
MINISTRO E PGR EM ALMOÇO SECRETO
Em plena polémica das pressões no caso Freeport, no âmbito das quais o nome do ministro da Justiça é citado, Alberto Costa almoçou ontem com o procurador-geral da República, Pinto Monteiro. Segundo apurou o CM, o almoço já estava marcado, mas nem o ministro nem o procurador divulgaram o encontro nas respectivas agendas. 'O PGR nunca confirmou nem comentou os almoços que tem', limitou-se a dizer ao CM fonte da Procuradoria, depois de questionada sobre se a continuidade de Lopes da Mota tinha sido o motivo para o encontro.
CAVACO SILVA NÃO COMENTA
O Presidente da República, Cavaco Silva, recusou ontem, na Turquia, comentar os últimos desenvolvimentos no caso Freeport. Questionado sobre a instauração de um processo disciplinar ao procurador Lopes da Mota, presidente do Eurojust, o Chefe de Estado disse querer manter 'a tradição' de não responder fora do país a questões de política interna.
CÂNDIDA SUSPENDE COMENTÁRIO NA RÁDIO
A procuradora Cândida Almeida suspendeu o comentário semanal que mantinha desde o início do ano na Rádio Renascença.
Segundo apurou o CM, a decisão foi comunicada à Rádio pela magistrada na passada segunda-feira, dois dias antes do comentário ir para o ar. Cândida só voltará ao espaço de opinião quando terminar o processo Freeport. Contactada pelo CM, fonte da Procuradoria garantiu que Cândida Almeida 'decidiu, por sua iniciativa, suspender de momento a colaboração'.
Recorde-se que o procurador-geral da República, Pinto Monteiro, já tinha admitido publicamente rever a autorização concedida à magistrada para a participação semanal naquele espaço. Em causa estava o facto de a coordenadora do DCIAP ter aproveitado o comentário semanal para falar sobre a investigação ao caso Freeport de Alcochete.
SAIBA MAIS
MAGALHÃES E FARIA
Vítor Magalhães e Paes Faria são os dois procuradores do Departamento Central de Investigação e de Acção Penal (DCIAP) titulares da investigação ao licenciamento do outlet de Alcochete.
2 arguidos estão constituídos no âmbito da investigação ao licenciamento do outlet de Alcochete. São eles o escocês Charles Smith e Manuel Pedro, ex-sócios na Smith & Pedro.
2004 foi a data em que teve início a investigação ao licenciamento do Freeport, depois de uma denúncia anónima que chegou à Polícia Judiciária de Setúbal e que visava o ex-presidente da Câmara de Alcochete e outros três funcionários da autarquia.
SMTIH CHAMA CORRUPTO
Num DVD divulgado no mês passado pela TVI, o empresário escocês Charles Smith aparece a chamar 'corrupto' a José Sócrates, referindo-se à altura em que era ministro do Ambiente no governo de Guterres.
APONTAMENTOS
DEMISSÃO EXIGIDA
A Oposição em bloco, da esquerda à direita, exigiu a demissão do procurador Lopes da Mota do Eurojust, organismo europeu para a cooperação judiciária, ao qual preside.
SUSPEITAS ANTIGAS
O procurador Lopes da Mota foi alvo, em 2005, de um inquérito interno do Ministério Público por suspeita de ter fornecido informações a Fátima Felgueiras sobre o processo do ‘saco azul’.
EUROJUST NÃO COMENTA
O Eurojust recusou comentar a abertura de um processo disciplinar ao seu presidente, Lopes da Mota. O porta-voz do Eurojust, Joannes Thuy, alegou tratar-se de um caso nacional.
NOTAS
ARNAUT: ATAQUE A MAGISTRADOS
António Arnaut, fundador do PS, disse ontem que o caso das pressões 'só foi possível por delação de dois magistrados do Ministério Público', condenando 'veementemente' a situação
CONSELHO: RELATÓRIO
O Conselho Superior do Ministério Público não teve acesso ao relatório final do inspector Santos Silva, que concluiu haver indícios fortes de pressões aos procuradores do Freeport
JUIZ: TESTEMUNHA PRINCIPAL
Carlos Alexandre, juiz de instrução dos processos mais complexos em investigação, é uma das principais testemunhas das pressões exercidas sobre os procuradores do DCIAP