LUA

sábado, 15 de agosto de 2009

Dinheiro a jato Flagrantes em dois aeroportos revelam que o dinheiro da Igreja Universal viaja pelo céu nas bagagens de parlamentares

Divulgação
UMA PEQUENA PARTE
Os 10,2 milhões de reais que a Polícia Federal achou com o bispo João Batista: supostas doações em maços com números seqüenciados


Na temporada de caça às malas suspeitas, duas ações da Polícia Federal pegaram parlamentares pertencentes ao alto escalão da Igreja Universal do Reino de Deus usando jatinhos para transportar pacotes de dinheiro. Na primeira, o próprio presidente da Universal, bispo João Batista Ramos da Silva, deputado federal pelo PFL, foi flagrado em Brasília com 10,2 milhões de reais divididos em sete malas. Na outra, o deputado estadual mineiro George Hilton dos Santos Cecílio (PFL) e o vereador de Belo Horizonte Carlos Henrique da Silva (PL), ambos pastores da igreja, acabaram liberados no Aeroporto da Pampulha depois de explicar que onze caixas de papelão contendo – segundo eles – 600 000 reais eram doações de fiéis do sul de Minas Gerais. Se bastaram dois flagrantes, quase simultâneos, para descobrir essas quantias expressivas, qual será o montante que a igreja movimenta mensalmente no país? O valor preciso só pode ser revelado pelo bispo Edir Macedo Bezerra, criador e presidente mundial da Universal, que há alguns anos foi gravado em vídeo numa reunião em que celebrava a generosidade dos fiéis atirando cédulas para o alto. Os casos da semana passada dão uma idéia, no entanto, de como é vigoroso e lucrativo o empreendimento religioso que Macedo administra há 28 anos.



A começar por uma frota de pelo menos sete aeronaves que não se sabe precisamente quanto é utilizada para transportar dinheiro, a Igreja Universal tem um patrimônio e um faturamento de causar inveja aos mais bem-sucedidos empresários do mundo. O maior desses negócios é a Rede Record de Televisão, comprada por 45 milhões de dólares há quinze anos e hoje avaliada em quarenta vezes mais. O grupo possui também editoras, jornais, emissoras de rádio e uma financeira, entre outros negócios, além de 5 000 templos próprios, em oitenta países Mais de 15 000 pastores e 100 000 auxiliares, chamados obreiros, cuidam da administração desse parque produtivo e, principalmente, da arrecadação de contribuições financeiras de 2,5 milhões de fiéis. A receita anual do grupo Macedo é estimada em 3 bilhões de reais, dinheiro suficiente para colocar o conglomerado entre as oitenta maiores empresas do Brasil e seu proprietário nas revistas que listam as maiores fortunas do mundo.

Macedo tem uma biografia comparável à de grandes magnatas que ergueram impérios começando do zero. No seu caso, mais precisamente, a história começa nas dependências de uma modesta funerária, num subúrbio carioca, onde instalou o primeiro salão de sua igreja. Hoje, os templos da Universal – catedrais da fé, como são chamados – são construídos como palácios de mármore e granito. O de Belo Horizonte, inaugurado há um ano e orçado em 50 milhões de reais, tem 28 000 metros quadrados, lugares para 5 000 fiéis, 255 vagas no estacionamento para carros e ônibus, heliponto, hotel para bispos e pastores, berçário e lojas. Modelos parecidos funcionam ou estão sendo erguidos em todas as grandes cidades do país e em algumas do exterior. Como shoppings, são guardados por seguranças que evitam a entrada de mendigos ou gente muito malvestida.

A vida de Macedo naturalmente mudou muito com o crescimento dos negócios. De uma temporada de onze dias na cadeia, em 1992, acusado de charlatanismo, estelionato, evasão de divisas, contrabando e curandeirismo, o ex-funcionário da Loteria do Estado do Rio de Janeiro evoluiu para uma rotina que mistura as atividades de um alto executivo globalizado às atribulações de astro mundial. Sua base fica na cidade americana de Atlanta, terra da CNN, da Coca-Cola e de um canal de TV dirigido à comunidade hispânica, recém-adquirido pela Universal. No púlpito da igreja local, o bispo ensaia as pregações que repete mundo afora em eventos que chegam a reunir mais de 10 000 fiéis. Seus deslocamentos ocorrem a bordo de um jato Global Express para oito passageiros e com autonomia de vôo de 12 000 quilômetros (São Paulo a Moscou sem escalas, por exemplo), avaliado em 50 milhões de dólares. No Brasil, usa também um Cessna Citation X, o mesmo que carregava as malas do bispo João Batista na semana passada.

Não há nenhuma coincidência no fato de os dois flagrantes aéreos do dinheiro da Universal envolverem parlamentares. A representação política é um dos aspectos de que o bispo cuida com mais carinho. A bancada ligada à sua igreja, que se move de um partido para outro conforme as conveniências dos empreendimentos de Macedo, conta com dezessete integrantes no Congresso Nacional e age geralmente de comum acordo com outros 46 parlamentares evangélicos. A Universal tem ainda algumas dezenas de deputados estaduais e centenas de vereadores espalhados pelo país. O grande expoente é o bispo senador do PL Marcelo Crivella, sobrinho de Macedo, virtual candidato ao governo do Rio de Janeiro e figurante num processo que investiga seu possível envolvimento com duas empresas instaladas em paraísos fiscais. O PFL decidiu expulsar seus dois integrantes envolvidos nos casos das malas. Antes que alguém ligasse esses pacotes de dinheiro aos que transitam pelo caixa do PT, Crivella foi à tribuna defender o patrimônio da Universal. "Esse dinheiro é fruto de doações de fiéis. Tem origem e destino, coisa que muitos na política não têm", discursou o senador, para tranqüilizar operários, empregadas domésticas, desempregados e aposentados que sacrificam um pedaço de suas economias para ajudar a construir a obra do bispo Macedo. Para justificar o destino da dinheirama, Crivella afirmou que a Igreja Universal paga mensalmente 12 milhões de reais em aluguéis e 6 milhões de reais em salários. Ou seja: 216 milhões de reais por ano.

Foto divulgação