O processo camarário de licenciamento do Freeport tem, pelo menos, 29 assinaturas de pessoas que despacharam as centenas de documentos que viabilizaram a construção do empreendimento. Em 90 dossiês, consultados pelo 24horas, há sete pastas que sintetizam o percurso deste processo, que se iniciou em 2002 e, só em 2007, viu emitida a sua licença de utilização, apesar de ter sido inaugurado em 2004. Carlos Guerra, José Inocêncio, Arnaldo Teixeira, António Rodrigues e Vítor Carvalheira são os nomes decisivos nestes volumes. O primeiro era o presidente do Instituto de Conservação da Natureza (ICN), o segundo foi presidente daCâmara de Alcochete, de 2001 a 2005, pelo PS; Teixeira foi vereador do Urbanismo no mandato de Inocêncio; o quarto é hoje vice-presidente da autarquia, agora de maioria CDU; o último é engenheiro e foi o chefe de Divisão de Administração Urbanística da Câmara até 2008.
Trabalhou com Manuel Pedro
Carlos Guerra parece ser cada vez mais uma figura central no processo. Abandonou o ICN ainda em 2002, depois de ter dado luz verde ao Freeport. É irmão do procurador João Guerra – o magistrado que liderou a investigação do inquérito à Casa Pia – e de José Guerra – destacado pelo Governo para o Eurojust em 2007, Carlos Guerra esteve fora da administração pública, de 2002 a 2005, quando regressou com o PS para responsável do Proder – Programa de Desenvolvimento Rural. Em 2004, segundo noticiou o “Expresso”, Carlos Guerra colaborou com a Sociedade Ambiente e Manutenção, de Manuel Pedro, um dos sócios da Smith&Pedro, a semana passada constituído arguido por suspeita de corrupção no empreendimento.
Um erro no mapa
Foi durante o mandato de Carlos Guerra, à frente do ICN, que este instituto persistiu num erro na definição da zona de protecção especial (ZPE) do Tejo, mantendo nos seus limites o terreno onde está hoje o edifício do Freeport, quando este era, na verdade, “perímetro urbano”. Um mapa do ICN colocava aquela área em ZPE, quando o projecto de PDM de Alcochete e a própria lei que criava a ZPE a excluía. O erro nunca foi corrigido, durante a gestão de Carlos Guerra, como noticiou o 24horas, apesar do ICN ter reconhecido que se enganara, em 1999. Mas em 25 de Julho de 2002, já depois do projecto Freeport aprovado, já depois das eleições que colocaram Durão Barroso no poder e Isaltino Morais com a tutela do ICN, Guerra – que um mês depois sairia do Instituto – assinava o que chamou de “esclarecimento inerente a procedimentos para aprovação e licenciamento do projecto Freeport”. Neste documento Guerra explica ao seu ministro as medidas de minimização de impacte ambiental que foram adoptadas para viablizar o projecto.
O controleiro do ambiente
António Fonseca Ferreira foi o responsável pela realização do estudo de impacte ambiental (EIA) do Freeport, como presidente da Comissão de Cordenação Regional do Ministério do Ambiente. Hoje, o organismo está integrado na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento de Lisboa e Vale do Tejo, que recebe os relatórios semestrais da Freeport sobre as contrapartidas ambientais estabelecidas no início da construção do projecto. Fonseca Ferreira é o presidente da comissão e um responsável do seu gabinete garantiu ao 24horas que, além da colaboração de realização do EIA do Freeport, nada mais teve a ver com o projecto.
Os homens da Câmara
José Inocêncio era, em 2002, o presidente da Câmara de Alcochete eleito pelo PS e foi ele quem assinou o despacho para o avanço do projecto dooutlet, face aos pareceres positivos das várias entidades que o apreciaram. É dono de uma empresa de máquinas industriais. Nas últimas autárquicas acabou derrotado pela CDU, ficando como vereador na oposição, sem gabinete e sem pelouro. Já o seu vice-presidente de então, Arnaldo Teixeira, que trabalha na Caixa Geral de Depósitos de Alcochete, é também vereador sem gabinete nem pelouro. António Lucas Rodrigues, que emitiu pareceres relativos a alterações de infra-estrutura do Freeport (todas elas licenciadas) estava na oposição, quando as obras avançaram. Agora, como vice-presidente da câmara, tutela o urbanismo.
O governante
Rui Nobre Gonçalves, de Beja, 49 anos, engenheiro do Ambiente, foi o secretário de Estado que deu a autorização do Freeport, ao assinar, a 14 de Março de 2002, o “parecer favorável, condicionado”. Hoje, este antigo governante mantém-se ligado ao ambiente. Em Setembro de 2008 foi eleito por dois anos presidente da Resistrela, sociedade anónima – criada por decretolei – que gere recursos sólidos urbanos na Beira Interior, região onde José Sócrates, de quem Nobre Gonçalves foi secretário de Estado, tem raízes. Foi indicado pela Empresa Geral do Fomento, sub-holding das Águas de Portugal, de cuja administração é vogal.
Processo complexo
Ao 24horas, o então chefe da Divisão de Administração Urbanística da Câmara de Alcochete justifica a complexidade do processo. “Não havendo PDM em vigor naquele local, a apreciação municipal do projecto fezse apenas por normas gerais e legais, que verdadeiramente não são competências da Câmara”, justifica. O projecto “teve de ser objecto de estudo de impacte ambiental, a obra tinha de respeitar a declaração de impacte ambiental (DIA) e a Câmara só o aprovou depois da emissão da DIA. Ajustados os pormenores, foi licenciada a obra”, explica Vítor Carvalheira