«Estou convicto de que houve um crime. Há demasiado fumo para não haver fogo».
Não foi apenas por esta razão, mas também, que um vigilante desempregado de 40 anos decidiu constituir-se assistente no processo «Freeport».
Gilberto Figueiredo, residente em Viseu, casado e pai de uma filha, está «escaldado» com a Justiça. Diz que os tribunais arquivaram uma queixa por furto, que apresentou, numa situação em que «até havia um vídeo como prova».
«Não foi para ir contra o primeiro-ministro ou contra Charles Smith ou outro» assegura, ao mesmo tempo que admite não saber quem são os culpados. «Mas é lógico que há qualquer coisa, só quem não quiser ver é que não vê».
«Foi mesmo uma iniciativa minha», garante, quando o tvi24.pt lhe pergunta se a decisão de se constituir assistente foi induzida. «Estou bastante atento ao panorama nacional», diz.
Um dia consultou o blogue do advogado José Maria Martins, igualmente assistente no processo, e ligou-lhe a pedir informações.
«Fiquei a saber que o assistente está ao dispor do Ministério Público para qualquer ajuda». Não sabe bem que «ajuda» pode dar aos investigadores, já que nem sequer possui informação sobre o caso, mas remete as diligências para aquele advogado, que o representa.
«Senti necessidade de fazer alguma coisa», diz o sexto assistente do processo, depois de Martins, de Fernando Lopes, emigrante em França, do movimento «Força Emergente», do jornalista José António Cerejo e do ex-autarca do CDS/PP Zeferino Boal.
«O meu desejo é que com este gesto possa ajudar a justiça». O facto de lhe ter sido concedido o apoio judiciário permite-lhe requerer as diligências que entender sem receio de ter de pagar as taxas de justiça.
José Maria Martins, advogado de «Bibi» no processo Casa Pia, já requereu várias diligências no processo Freeport, desde que se constituiu assistente.
Recentemente pediu a constituição de equipas de investigação mistas entre Portugal e Inglaterra, solicitou ao PGR que avocasse o processo para o dirigir, além de ter ainda requerido a publicidade dos autos e a audição do primo de José Sócrates, que terá enviado um email para o Freeport a pedir que se lembrassem da sua agência de publicidade, invocando o suposto papel de intermediário nos contactos com o primo, na altura ministro do Ambiente.
Anteriormente, Martins já tinha solicitado aos investigadores que o primeiro-ministro fosse interrogado na qualidade de arguido. Que resposta obteve às diligências pedidas? «Não posso responder, para já», diz.
Maria José Morgado regista um aumento desta tendência, que atribui a «um interesse das pessoas em participarem» na realização da justiça, quando está em causa a lesão de «bens colectivos».
A procuradora-geral adjunta não tem «nada contra» esta figura prevista na lei, há vários anos, desde que a investigação seja «bem conduzida».
Os assistentes são «colaboradores do Ministério Público». Podem intervir no inquérito e na instrução, apresentar provas, requerer diligências, deduzir acusação independente da do MP [e nos casos dependentes de acusação particular (injúria e difamação, por exemplo) ainda que o MP o não faça], bem como recorrer.
Qualquer pessoa pode constituir-se assistente, nos crimes contra a paz e a humanidade, bem como nos crimes de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção.
O processo Freeport «pode não dar em nada», admite Gilberto, mas pelo menos «sinto que fiz alguma coisa e que sou mais cidadão».
Uns «dão-me força» enquanto outros «dizem que não me devia ter metido nisto porque não é nada comigo». Admite temer retaliações «até porque a mulher trabalha na Administração Pública» mas «tratava-se de um dever cívico» que a família «respeitou».