Costa Andrade, membro do Conselho Superior da Magistratura, diz que, se houver suspeitas de crimes, escutas com Sócrates são válidas.
As ondas de choque do caso "Face Oculta" continuam a provocar danos nas estruturas das magistraturas. Ontem, à boleia da polémica com o procurador-geral, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha do Nascimento, resolveu recuperar uma ideia antiga: o regresso ao modelo de investigação criminal liderado por um juiz e não por um procurador do Ministério Público.
Ainda que não se tenha referido directamente à ideia, Noronha do Nascimento, em declarações à RTP, depois de criticar o envio de certidões "tão importantes" do caso Face Oculta "aos bocadinhos" e às "bochechas", lançou: "É preciso pensar se não temos de repensar toda a estrutura da investigação."
As palavras de Noronha do Nascimento foram imediatamente lidas, como o retomar de um discurso seu de 2007, em que defendeu que à frente da investigação deveria estar um juiz e não um procurador do Ministério Público: "Queremos uma investigação centrada em juízes de instrução para, através da independência, garantir a sua autenticidade, ou queremo-la centrada no MP?", questionou o presidente do STJ. Uma ideia que, na sequência da polémica das certidões com o procurador-geral, Pinto Monteiro, resolveu recuperar.
O bastonário da Ordem dos Advogados, António Marinho e Pinto, afirmou ontem que partilhava as ideias defendidas por Noronha do Nascimento no âmbito da investigação criminal. Na SIC Notícias, o advogado defendeu que se devia "repensar o estado da investigação criminal", por ser desigual.
"Há pessoas que estão presas por serem pobres e que não tiveram defesa porque não tiveram dinheiro para pagar a um bom advogado", referiu. Por outro lado, reiterou a perspectiva de que "há pessoas que permanecem intocáveis. Devemos repensar a investigação criminal porque esta falhou o seu objecto constitucional", conclui.
Entretanto, Manuel da Costa Andrade, um dos mais conceituados especialistas em Direito Penal e membro do Conselho Superior da Magistratura, nomeado pelo Presidente da República, considera que as escutas telefónicas entre Armando Vara e José Sócrates podem ser utilizadas num processo.
Numa declaração ao DN, o professor catedrático de Coimbra sintetizou a sua opinião numa frase: "Podia chegar-se ao absurdo de uma escuta legal obter dados de um crime hediondo cometido por um órgão de soberania e isto não poder ser valorizado."
Costa Andrade explicou que, tal como prevê a lei, nos casos em que estejam em causa escutas ao Presidente da República, presidente da Assembleia da República e primeiro-ministro "o presidente do Supremo Tribunal de Justiça funciona como juiz de instrução para efeitos de autorização de escutas telefónicas".
"Este regime", continuou, "não prejudica o regime especial dos conhecimentos fortuitos, se- gundo o qual, feita validamente uma escuta, são válidos os conhecimentos adquiridos relativamente a crimes do catálogo". Se o crime em causa for tráfico de influência, a escuta pode ser aproveitada.