Carta Rogatória
Assunto: Freeport PLC, R J McKinney e outros
O Director-Geral da Serious Fraud Office [Departamento de Investigação de Fraudes
Graves] apresenta os seus cumprimentos às Autoridades Judiciárias Competentes de
Portugal e tem a honra de informa-las sobre os factos que se seguem e de lhes apresentar
este pedido de assistência judiciária relativamente a uma investigação criminal que está a
ser realizada pela Serious Fraud Office e pela Polícia da Cidade de Londres.
Nos termos da Secção 1 (3) da Criminal Justice Act 1987 [Lei sobre a Justiça Penal de
1987 (“ a Lei de 1987 ”)], O Director-Geral da Serious Fraud Office (‘’ O Director-
Geral”) pode investigar crimes suspeitos em Inglaterra, no Pais de Gales e na Irlanda do
Norte que lhe pareçam, por motivos razoáveis, envolver fraude grave ou complexa. O
Director-Geral pode instaurar acções judiciais relacionadas com tais actos de fraude (
Secção 1 (5) da Lei de 1987).
Os advogados designados da Serious Fraud Office têm todos os poderes do Director-
Geral no tocante à investigação e à acusação de actos de fraude grave ou complexa, (
secção 1 (7) da Lei de 1987 ). O abaixo-assinado é um dos advogados designados desta
forma e tem poderes para emitir este pedido de assistência.
Ao abrigo do Direito Inglês, o Reino Unido pode oferecer reciprocidade a Portugal por
virtude da Crime (International Co-operacion Act) 2003 [Lei sobre a Cooperação
Internacional de 2003] (“ Lei de 2003”), pela qual o Secretário de Estado do Ministério
do Interior pode exigir a um tribunal que este recolha provas para qualquer investigação
criminal que seja conduzida na República de Portugal.
Nos casos de fraude grave ou complexa, a assistência que pode ser oferecida ao abrigo da
Lei de 2003 é alargada à utilização pelo Director-Geral dos seus poderes ao abrigo da
secção 2 da Lei de 1987.
O Director-Geral tem agora o direito, em certas circunstâncias, de exercer os seus
poderes internos, por indicação do Secretário de Estado efectuada através da Autoridade
Central do Reino Unido para Assistência Judiciária Mútua, para obter informações a
pedido de autoridades estrangeiras. Encontram-se expostas na secção 2 (2) e (3) da Lei
sobre a Justiça Penal de 1987 as respectivas disposições, da seguinte forma:
2 (2) – O Director-Geral pode, mediante aviso escrito exigir que a pessoa cujos negócios
devem ser investigados (“ a pessoa sobre investigação”) ou qualquer outra pessoa que
ele tenha motivo para crer que tenha informações relevantes, responde a perguntas ou,
em alternativa, forneça informações em relação a qualquer assunto relacionado com a
investigação num momento indicado, ou de imediato.
2 (3) – O Director-Geral pode, mediante aviso escrito, exigir que a pessoa sob
investigação, ou qualquer outra pessoa, apresente num local que seja assim indicado
quaisquer documentos especificados que o Director-Geral considere que se relacionam
com qualquer assunto que diga respeito à investigação, ou quaisquer documentos de
uma descrição especificada, que lhe pareçam assim se relacionar.
Pessoas sob investigação
A Serious Fraud Office e a Polícia da Cidade de Londres estão a realizar uma
investigação por suspeita de crimes. A investigação relaciona-se com uma que está a ser
levada a cabo pelas Autoridades Portuguesas por alegações de suborno e corrupção
associadas com o desenvolvimento do local da Freeport em Alcochete.
Os cidadãos do Reino Unido, que se sabe estarem ligados ao caso e que estão por
conseguinte a ser presentemente investigados, vêm indicados a seguir:
1. Sean Collidge
2. Gary Russell
3. Jonathan Rawnsley
4. Rick Dattani
5. Charles Smith
6. William (Billy) McKinney Jnr
Existem motivos razoáveis para crer que as pessoas acima referidas tenham cometido
crimes de Suborno e de Corrupção em contravenção das leis de Inglaterra e do País de
Gales. Os crimes específicos que estão a ser considerados vêm expostos no Anexo “1” à
presente.
Além disso, os cidadãos abaixo indicados, que não são do Reino Unido, são considerados
como estando sob investigação no sentido de terem solicitado, recebido ou facilitado
pagamentos que sejam relevantes aos crimes indicados no Anexo”1”.
7. José Sócrates
8. José Marques
9. João Cabral
10. 10 Manuel Pedro
Resumo dos Factos e das Alegações
O destinatário da presente já se encontrará familiarizado com os factos subjacentes às
respectivas investigações em Portugal e no Reino Unido.
No entanto, resumidamente, a investigação relaciona-se com as seguintes circunstâncias:
A investigação centra-se no desenvolvimento comercial de um local onde se encontrava a
antiga fábrica designada por “Firestone” perto de Alcochete, junto à zona de protecção
ambiental limítrofe à ponte Vasco da Gama.
Em 1989, uma empresa do Reino Unido denominada R J McKinney obteve a pré-aprovação
do projecto; o respectivo funcionário é William (Billy) McKinney Jnr. Uma
empresa sedeada em Portugal, a Smith & Pedro, foi utilizada como a agente local para
facilitar a concessão da aprovação. Os mandantes da Smith & Pedro eram os senhores
Charles Smith e Manuel Pedro, mais o seu empregado João Cabral. As circunstâncias que
levaram à concessão da aprovação fazem parte integrante das investigações.
Esta aprovação foi em última análise concedida por José Marques, o então Vice-
Presidente do Instituto da Conservação [da Natureza]. A Polícia Judiciária portuguesa
declarou à Serious Fraud Office e à Polícia da Cidade de Londres que o facto de a
aprovação ter sido alguma vez concedida, dada a existência da zona de protecção
ambiental, levanta uma forte suspeita de corrupção no procedimento de aprovação.
Em 2000, a participação RJ McKinney foi cedida a outra empresa do Reino Unido, a
Freeport PLC. A Freeport procurou obter a Avaliação do Impacto Ambiental favorável
necessária para o desenvolvimento do local num espaço comercial e a retalho
multifunções a ser denominado “Freeport”.
Os mandantes da Freeport relacionados com o desenvolvimento do local da Firestone
eram Sean Collidge (Presidente do Conselho de Administração), Gary Russell (Director
Comercial) , Jonathan Rawnsley (Director de Empreendimentos), Rick Dattani
(assistente), sedeado em Portugal, do Jonathan Rawnsley).
A Freeport contratou os serviços da Smith & Pedro para auxiliar na obtenção das licenças
e aprovações locais, incluindo a Avaliação de Impacto Ambiental.
O primeiro e o segundo requerimento para apreciação em matéria de Avaliação de
Impacto Ambiental foram reprovados pelo Ministério do Ambiente de Portugal no
decurso do ano 2000. Charles Smith alega durante uma inquirição pela Polícia da Cidade
de Londres que a Smith & Pedro foi abordada entre estas duas apresentações de
requerimento relativamente ao pagamento de um suborno considerável para assegurar a
aprovação.
No dia 17 de Janeiro de 2002, os representantes da Smith & Pedro e da Freeport reuniram
com entidades portuguesas, incluindo o então Ministro do Ambiente, José Sócrates, para
discutir uma terceira apresentação para apreciação em matéria de Avaliação de Impacto
Ambiental. Os participantes nesta reunião foram Sean Collidge, Gary Russell, Charles
Smith, Manuel Pedro, José Sócrates e outros funcionários municipais e públicos
portugueses.
Foram discutidas nesta reunião as dificuldades relacionadas com a Avaliação de Impacto
Ambiental apresentada.
Foi alegado que neste mesmo dia, o Ministro do Ambiente, José Sócrates, reuniu
posteriormente com Sean Collidge, Gary Russell, Charles Smith e Manuel Pedro. Nesta
reunião distinta, José Sócrates efectuou alegadamente um pedido que seria equivalente a
um suborno para assegurar que a Avaliação de Impacto Ambiental apresentada fosse
favorável. Alega-se que foi chegado a um acordo no sentido de que a Freeport efectuaria,
por intermédio da Smith & Pedro, pagamentos a terceiros, relacionados com José
Sócrates.
Estas alegações resultam colectivamente da Carta Rogatória da Procuradoria Geral da
República do Montijo, de 12 de Agosto de 2005, apoiada por uma lista de emails
extraídos de computadores apreendidos aos escritórios da Smith & Pedro pela Polícia
Judiciária portuguesa. Esta lista foi posteriormente fornecida pela Polícia Judiciária à
Polícia da Cidade de Londres.
Em acréscimo, as alegações são declaradas por Charles Smith numa reunião realizada
com Alan Perkins (um ex-funcionário da Freeport) e com João Cabral no escritório da
Freeport em Portugal, no dia 3 de Março de 2006. Alan Perkins gravou um vídeo da
reunião sem o conhecimento de Charles Smith. Esse vídeo encontra-se em anexo a um
depoimento colhido pela Polícia da Cidade de Londres, que foi divulgado às autoridades
portuguesas por meio da Assistência Judiciária Mútua.
Há que referir que Charles Smith negou posteriormente as alegações específicas de
corrupção numa inquirição sob aviso efectuada no dia 17 de Julho de 2007 pela Polícia
da Cidade de Londres.
Nas semanas que se seguiram ao dia 17 de Janeiro de 2002, o Ministério do Ambiente
aprovou uma lei a alterar os limites da reserva natural que impactava sobre o local da
Freeport, e o Ministro do Ambiente apresentou um relatório favorável em relação à
Avaliação de Impacto Ambiental.
A Terceira Avaliação de Impacto Ambiental foi aprovada em 17 de Março de 2002, dia
das Eleições Nacionais que resultaram em que esse mesmo Ministro perdesse o seu lugar.
Posteriormente, a Freeport efectuou 3 ou 4 pagamentos em parcelas de GBP 50.000 à
Smith & Pedro. Charles Smith, no vídeo de 3 de Março de 2006, alega que se trata de
pagamentos de subornos, com o intuito de satisfazer o acordo de 17 de Janeiro de 2002, a
partir dos quais efectuou uma série de pagamentos em numerário a um primo de José
Sócrates.
A Serious Fraud Office e a Polícia da Cidade de Londres foram informadas pela Polícia
Judiciária numa reunião realizada no dia 9 de Julho de 2008 de que tinham sido obtidas
provas de uma série de saques em numerário que se julga estarem relacionados com esta
alegação.
Além disso, foram efectuadas alegações menos específicas de que foram pagos montantes
mais importantes (até GBP 5 milhões) a uma empresa de advogados em Portugal ligada
a José Sócrates, como pagamentos de subornos a partir de fontes do Reino Unido. A
Serious Fraud Office e a Polícia da Cidade de Londres foram informadas destas
alegações na nossa reunião de 9 de Julho de 2008.
A Polícia da Cidade de Londres e a Serious Fraud Office já prestaram informação e
material às Autoridades Portuguesas por meio de Assistência Judiciária Mútua no
seguimento de uma Carta Rogatória, datada de 12 de Agosto de 2005, da Procuradoria
Geral da República do Montijo.
Em resumo, o material fornecido é o seguinte:
i) Material bancário relacionado com as contas da Freeport junto do Barclays.
ii) Material bancário relacionado com a conta de Francesca Smith junto do
HSBC.
iii) Depoimento de Alan Perkins e documentos de apoio associados.
iv) Transcrições de inquirições sob aviso de Jonathan Rawnsley e Charles Smith.
O autor da presente pode fornecer pormenores adicionais relativos à investigação do
Reino Unido, ao material fornecido e às alegações associadas.
Assistência Solicitada
1. Índicie dos Inquiridos
Queira por favor fornecer um índice ou uma lista de todos os indivíduos que foram
inquiridos relativamente à investigação da Freeport PLC e R J McKinney e outros .
Queira por favor confirmar junto de cada um dos indivíduos se uma transcrição ou outro
registo de inquirição se encontra disponível.
2. Buscas
Queira por favor confirmar as moradas nas quais foram efectuadas buscas ou a quem
(com excepção dos bancos) foram formalmente entregues mandados judiciais obrigando
a apresentação de material relacionado com a investigação da Freeport PLC e R J
Mckinney e outros.
Queira por favor confirmar as datas das buscas ou da entrega formal dos mandados de
apresentação.
3. Índice do Material
Queira por favor fornecer um índice ou uma lista de material, de computadores e de
outro material digital (material que não seja dos bancos) acumulado como resultado das
buscas, dos mandados de apresentação ou de outro modo relacionados com a
investigação da Freeport PLC e R J McKinney e outros.
4. Índice de Material Bancário
Queira por favor fornecer um índice ou uma lista de material bancário acumulado
relativamente à investigação da Freeport PLC e R J McKinney e outros.
5. Material de Vigilância
Queira por favor fornecer uma lista das intercepções telefónicas ou outra vigilância
intrusiva realizada relativamente à investigação da Freeport PLC e R J McKinney e
outros.
6. Provas Principais
Queira por favor fornecer uma colecção dos documentos de prova centrais identificados
a esta data que seriam utilizados para, ou em preparação das inquirições a serem
realizadas pela Polícia da Cidade de Londres e pela Serious Fraud Office no Reino Unido
no tocante à investigação da Freeport PLC e R J McKinney e outros.
Solicita-se que esta colecção inclua especialmente comunicações físicas, electrónicas ou
interceptadas que possam fornecer provas de pagamentos de subornos ou acordos para
efectuar os pagamentos de subornos que são objecto da investigação
7. Acesso a Material e às Testemunhas
No seguimento do Pedido (6), de modo a facilitar a investigação em curso no futuro,
queira por favor dar autorização para que os representantes da Polícia da Cidade de
Londres e da Serious Fraud Office tenham futuramente acesso à colecção completa dos
depoimentos de testemunha e do material objecto dos pedidos supra, devendo ser
acordado numa data futura.
O âmbito do acesso que será solicitado pode ser esclarecido após a Serious Fraud Office
e a Polícia da Cidade de Londres terem analisado os índices e o material solicitados nos
Pedidos de (1) a (6) supra.
8. Assistência do Reino Unido pendente
Queira por favor fornecer dados dos Bancos, das contas bancárias e dos códigos de
agência das contas bancárias de R J McKinney no Reino Unido que seriam solicitados
por Portugal por meio da Assistência Judiciária Mútua.
9. Material Bancário e de Planeamento pendente
Queira por favor prestar esclarecimentos actualizados sobre qual o material bancário,
para além daquele proveniente do Reino Unido, que é identificado como necessário para
completar qualquer cadeia de provas relativamente a quaisquer transacções que possam
indiciar corrupção.
Queira prestar esclarecimentos actualizados sobre qual o material de planeamento que é
identificado como necessário para completar qualquer cadeia de provas relativamente a
quaisquer procedimentos que possam ser corruptos.
10. Material Detido pela Decherts
Encontra-se junto no Anexo “2” um índice de material detido pela Decherts
Solicitors [ empresa de advogados] no Reino Unido. Além disso, a Decherts Solicitors
detém imagens digitais do servidor da Freeport PLC.
A Serious Fraud Office procurará obter a entrega deste material de forma voluntária ou
por mandado judicial de apresentação.
Queira identificar os artigos constando do índice de materiais dos quais Portugal
procuraria obter a entrega ou o acesso por meio de Assistência Judiciária Mútua.
Queira indicar uma lista de termos de busca que Portugal mandaria aplicar ao material
digital através de Assistência Judiciária Mútua, ou se é solicitada uma cópia completa da
imagem.
11. Meios de comunicação social
Encontra-se no Anexo “3” um email datado de 21 de Novembro de 2008, do
senhor Rui Araújo.
A política da Polícia da Cidade de Londres e da Serious Fraud Office
relativamente aos meios da comunicação social é actualmente a de não efectuar
comentários, ou de declarar que ‘ não nos é possível comentar” no tocante a
quaisquer pedidos de informação recebidos.
Agradecia que esclarecesse quais as medidas, se as houver, que estão a ser
tomadas relativamente à divulgação não autorizada de informação.
Agradecia que esclarecesse qual a política actual dos departamentos do Ministério
Público e da Polícia em Portugal em matéria dos meios de comunicação social
relativamente a este caso.
Contactos junto da Serious Fraud Office
Caso as autoridades judiciárias de Portugal necessitem de dados ou informações
adicionais relativamente aos pedidos acima efectuados, o autor da presente terá
todo o prazer em fornecê-los.
Restrição de utilização das provas obtidas ao abrigo de uma Carta Rogatória
A Secção 3) 7) da Lei de 1990 dispõe que as provas obtidas por virtude de uma
Carta Rogatória não serão utilizadas para quaisquer fins que não sejam
especificados na Carta, sem o consentimento da autoridade do país ao qual foi
efectuado o pedido.
Ao abrigo do Direito inglês, as provas obtidas de outra jurisdição mediante a
utilização de uma Carta Rogatória não podem ser utilizadas para quaisquer outros
fins senão aqueles especificados na Carta Rogatória sem o consentimento
autoridade à qual se destina. Isto foi interpretado como impedindo a utilização de
tais provas em qualquer requerimento de restrição de bens de um réu ou para
confiscar tais bens em caso de condenação, a menos que o requerimento para a
obtenção de tais provas especifique que se destina a utilizar as provas para tais
fins.
O Director solicita, por conseguinte, o fornecimento de documentos e de provas
para fins das suas investigações e para utilização como provas em acções penais e
naqueles processos acessórios ou afins julgados pelos tribunais penais.
O Director da Serious Fraud Office envia às Autoridades Judiciárias Competentes
de Portugal os seus antecipados agradecimentos e aproveita a oportunidade para
renovar os protestos da sua mais elevada consideração